A História dos personagens transgêneros nos quadrinhos das grandes editoras norte-americanas!

A História dos personagens transgêneros nos quadrinhos das grandes editoras norte-americanas!

19 Junho, 2019 0 Por Catarina Knapki Cunha

Apesar de aconchegante para muitos, os quadrinhos nem sempre foram um lugar muito amigável para vários tipos de grupos sociais, num geral a população LGBTQI+ não existe nas histórias em quadrinhos, quando existem, suas representações são equivocadas. Felizmente, tal panorama tem mudado, e nos últimos anos as HQS se tornaram bem mais diversas. Apesar disso, o T da sigla “LGBT” ainda é muito escasso nas comics norte-americanas. O objetivo deste texto é analisar a história de personagens transgêneros nas hqs das grandes editoras estadunidenses, frisando a importância da representatividade no meio geek. Por isso, selecionamos algumas décadas com acontecimentos relevantes dos quadrinhos para a causa transgênero, delineando uma cronologia até chegar nos dias atuais. Vamos lá!

Década de 40, 50 e 60

Como já é de se imaginar, nessa época não existiam personagens assumidamente transgêneros nas hqs (nem em outras mídias). No entanto, existiam alguns personagens que causavam uma certa identificação, e hoje poderiam ser considerados ao menos “metaforicamente” transgêneros, mesmo que esse não fosse o projeto inicial de seus idealizadores. Geralmente eram metamorfos, alienígenas, mágicos, robôs etc. Um exemplo é o vilão da Era de Ouro, Ultra-Humanite. Conhecido por ser o antagonista do Superman na época, ele transportou seu cérebro para o corpo de uma mulher, passando assim a ter características socialmente consideradas “femininas”, porém um intelecto (se é que podemos postular desta forma) socialmente considerado “masculino”.
Nesse momento podemos perceber que a representação trans nos quadrinhos era, de fato, inexistente, afinal nenhum escritor pensou em, realmente, criar um personagem trans, mas sim personalidades estranhas que pudessem fazer papéis vilanesco nas histórias.

DÉCADA DE 70, 80 e 90

Nas décadas seguintes a representatividade transgênero passou a ser um pouco mais explícita, às vezes em formas de metáforas, assim como nas décadas anteriores ou representações concretas como veremos a seguir. Na hq clássica da Dc comics, Camelot 3.000, temos Sir Tristan, um dos cavaleiros do Rei Arthur que reencarna no ano 3.000 num corpo feminino. Aqui percebemos melhor o quão problemática foi e ainda é a representação de pessoas trans nos quadrinhos. Tristan é um homem trans, porém não temos isso explícito e provavelmente a intenção do escritor, Mike Barr, não era essa.


Outros personagens notáveis que de fato ajudaram para a representação transgênero nas comics são de “Doom Patrol”, estou falando de Rebis e Coagula. A segunda foi criada por Rachel Pollack -escritora trans- que teve grande influência de Grant Morrison e sua criação “Rebis”, personagem que não se sabe ao certo, hoje talvez poderíamos dizer ser não-binário. Em entrevista para o blog Autostraddle, Pollack conta que criar uma personagem assim como ela é de grande mérito e frisa a importância de discutir temas tabus nas hqs.

“Sandman”, de Neil Gaiman, também teve sua importância para a história dos personagens trans, no arco “Um jogo de você” temos Wanda, mulher trans que é amiga da protagonista da história, Wanda foi uma das primeira personagens assumidamente trans e possui um dos arcos mais tristes de Sandman, uma história marcada por intolerância e transfobia.

ANOS 2000,2005 ATÉ 2013

Durante um longo período a representação trans permaneceu inexistente, apenas em 2005 na hq de Brian K. Vaughan “Fugitivos” que surgiu Xavin, alienígena da raça Skrull que por muito fãs é considerada genderfluid. Outra personagem importante dessa época é Alysia Yeon, BFF de Barbara Gordon, criada por Gail Simone nos Novos 52. Gail conta que para ela sempre foi difícil ler hqs e ver poucas personagens femininas, então a autora se perguntou como seria para outros grupos que têm menos representatividade se identificarem com as histórias; conversando com leitxres trans a roteirista decidiu criar Alysia, mulher trans, que ganha grande foco em sua fase na Batgirl. Alysia chegou a se casar no final dos novos 52, com sua namorada Jo. Um dos painéis mais icônicos da fase de Gail Simone na Batgirl é o que Alysia sai do armário como uma mulher transgênero. Importante frisar que em outro quadrinho de Gail Simone -Homem-Borracha de 2018- há alguns momentos problemáticos e que podem ser considerados transfóbicos, portanto importante saber que por mais que a/o escritor(a) tenha boa vontade e insira representatividade em sua narrativa ele/ela não está isento(a) de cometer erros, então sempre bom ter um senso crítico quando analisamos a representação de minorias políticas na ficção.

ANOS 2013 e 2014 + REVOLUÇÃO DA IMAGE COMICS

Se na década de 60 até relativamente recente os personagens trans eram sempre seres não humanos, como robôs e aliens hoje temos personagens explicitamente trans. Isso deve-se também por quadrinhos como “Batgirl” de Gail Simone e “Fugitivos” de Brian Vaughan que apresentaram pessoas trans críveis e bem desenvolvidas.

A editora Image vem ganhando destaque na representação de pessoas queers. The Wicked + The Divine, HQ escrita por Kieron Gillen, é um exemplo. Na história temos Cassandra, mulher trans que é uma das protagonistas do gibi. “Bitch Planet” de Kelly Sue DeConnick também é outro exemplo, o quadrinho tem um grande viés político e foca em mulheres trans e não brancas, que são oprimidas de diferentes formas pelo patriarcado racista. Essa liberdade para contar histórias com narrativas diferentes se deve muito por conta da editora Image, que da mais autonomia para xs escritorxs.

A representatividade LGBTQI+ ainda não é ideal, principalmente quando o assunto são personagens transgêneros, no entanto é inegável que nos últimos anos importantes histórias surgiram para mudar este cenário. Importante frisar que a maior parte dos personagens trans com protagonismo vem de editoras menores como a própria Image (que vem crescendo muito) a BOOM! Studios e a IDW. O quadrinho Lumberjanes da BOOM! Studios foi o primeiro do gênero a ter uma protagonista trans. Jo saiu do armário na edição #17, o mais interessante é que a história de Jo não gira em torno de sua transexualidade, mas de tudo que compõe a pessoa multifacetada que é. Outra HQ importante que não só tem uma personagem trans no enredo, mas também uma mulher trans no time criativo é “Jem and The Holograms” da IDW. Sophie Campbell é desenhista do título; isso é de grande importância, pois além de estarem nas histórias, pessoas trans também precisam ocupar lugares no processo criativo e na indústria no geral. Percebe-se que além do destaque das editoras pequenas em sua maioria são mulheres que inserem personagens trans nas histórias.

MARVEL E DC DE 2014 ATÉ O PRESENTE

Quase todos os personagens aqui citados são de outras editoras, os que competem as grandes Marvel e Dc poucos e são problemáticos de alguma forma.Desde os anos 60 até 2019 houve mudanças em ambas as editoras, mudanças que foram muito criticadas e nem sempre boas de fato. Nos últimos anos as duas editoras tentara trazer mais representatividade para suas publicações, porém quase sempre parece que eles não fazem isso com cuidado e responsabilidade (como isso é um tema muito extenso pretendo tratar em outro momento). Apesar de toda a dificuldade que as editoras tem de criar e manter personagens trans elas têm alguns (pouquíssimos) destaques. Na Marvel temos Sera ( companheira de Angela) que teve sua primeira aparição em “Angela: Assasina de Asgard #1” e Tong alienígena da raça Moloid que se assumiu como uma menina trans na edição #6 de “Fundação Futuro”. Sim, são poucos personagens e nenhum de grande destaque na DC comics. Com isso termino o texto propondo uma reflexão e ratificando a importancia de pessoas trans dentro e fora das páginas, acredito que aos poucos a indústria ficará mais plural e menos tóxica para a comunidade queer, mas isso não cairá do céu.